As sociedades limitadas, nos dias atuais, são as mais comuns no sistema empresarial brasileiro, principalmente no âmbito das microempresas e empresas de pequeno porte. Este modelo de sociedade é aquele onde a chamada affectio societatis se encontra mais presente.
Esta expressão em latim significa a vontade dos sócios em formarem uma sociedade e nela permanecerem. É a expressão do desejo de estarem os sócios juntos em uma sociedade.
A figura da affectio societatis se mostra muito presente e indispensável na constituição e perenidade das sociedades limitadas, pois este modelo societário visa o crescimento e a evolução da sociedade para o bem de todos os envolvidos, exigindo uma colaboração ativa, consciente e igualitária dos contratantes em busca do lucro. Em muitas vezes as sociedades limitadas são formadas por parentes ou amigos, os quais têm o interesse em prosseguir sua atividade empresarial sempre com o mesmo sócio, a pessoa de confiança, sem que se troque de sócios a todo e qualquer momento, como pode ocorrer nas sociedades anônimas.
Porém, em algumas situações a affectio societatis pode ser rompida, por diversos motivos, desde ideias de administração conflitantes, problemas financeiros, pessoais, ou outras desavenças que possam fazer com que um ou mais sócios queiram se retirar da sociedade.
Para que um sócio exerça seu direito de retirada da sociedade ele deve cumprir com as previsões do artigo 1.029 do Código Civil, quais são, além dos casos previstos na lei ou no contrato social, que qualquer sócio pode retirar-se da sociedade de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias ou, se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa que motivou a retirada.
Trabalhando no aspecto das sociedades limitadas por prazo indeterminado, com a saída de um dos sócios as quotas que a ele pertenciam devem ser adquiridas por outra pessoa, integrante da sociedade ou por terceiros. E é justamente na aquisição por terceiros que se encontra o grande problema na sociedade limitada, em razão do sócio remanescente na sociedade, em muitos casos, não ter a vontade de contrair uma sociedade com um terceiro desconhecido. Não há affectio societatis. Porém, o sócio que está se retirando da sociedade é o titular das quotas e deseja vender para reaver seu valor investido na sociedade e viabilizar sua retirada.
Para que não ocorram problemas com a cessão de quotas a terceiros desconhecidos, há a possibilidade de os sócios, na confecção do contrato social da empresa, disporem diversos procedimento e previsões que disciplinem de que maneira se darão as cessões de quotas na retirada de um ou mais sócios.
Entretanto, por diversas vezes, muitas em razão de não ter o acompanhamento adequado de um advogado na formação da sociedade, deixa-se de incluir esta cláusula no contrato social e os sócios tem que se submeter ao disposto no Código Civil.
O artigo 1.057 do Código Civil tem a seguinte redação:
Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.
Ao realizar a leitura deste artigo, parece clara a possibilidade de o sócio ceder suas quotas a outros já sócios, sem a necessidade comunicar os demais sócios. Contudo, se a cessão for para terceiros, caso os demais sócios sejam detentores de mais de 25% (25,1%) do capital social, é necessária a aprovação destes sócios para que seja viabilizada a cessão.
Ou seja, sendo o sócio detentor de 75% do capital social de uma sociedade limitada, querendo ele ceder integralmente suas quotas a terceiros, não há nada que os demais sócios possam fazer. Entretanto, caso o mesmo sócio tivesse 74,5% do capital social, os demais sócios detentores de 25,5% (mais de ¼ do capital social), poderiam se opor à cessão.
Contudo, para a doutrina e para os tribunais esta visão não é tão clara.
Alguns autores entendem que a audiência dos outros sócios é indispensável, nos casos em que haja sócios que representem percentual do capital social acima de 25%, pois estes podem recusar o ingresso de terceiro. Concluindo que, implicitamente, o legislador determinou que é necessária a aprovação de 75% do capital social para a alteração contratual que mudará a formação societária, incluindo terceiro alheio à sociedade.
Entretanto, outros compreendem o dispositivo legal de diferente maneira, concluindo que caso o detentor de 25% do capital social se oponha a cessão de quotas, será o suficiente para impedir que o outro sócio ceda suas quotas a terceiro.
Sobre o assunto, o entendimento é vacilante, tanto nos tribunais superiores como nos tribunais locais, onde não há um posicionamento firmado sobre o valor exato do percentual necessário para impedir a cessão de quotas, deixando os litigantes, muitas vezes, a mercê do acaso, para ter o destino de sua empresa decidido.
Deste modo, recomenda-se sempre o acompanhamento de um advogado habituado com estas situações, não apenas para o momento do litígio, mas também para a formação do contrato social, para que sejam incluídas previsões expressas neste documento que impeçam, ou ao menos diminuam, as chances de se fazer necessário judicializar uma questão tão controvertida que pode ser resolvida antes de qualquer conflito.
2016